sábado, 20 de dezembro de 2008

As causas de fissuras

As alvenarias, em função sobretudo da natureza dos seus componentes (materiais pétreos), apresentam bom comportamento às solicitações de compressão, o mesmo não ocorrendo em relação às solicitações de tração, flexão e cisalhamento. As tensões de tração e de cisalhamento, portanto, são as responsáveis pela quase totalidade dos casos de fissuração das alvenarias, sejam elas estruturais ou não.

Outro fator que influi na fissuração é a heterogeneidade, resultante da utilização conjugada de materiais diferentes (componentes de alvenaria e argamassa de assentamento), com propriedades diferenciadas (resistência mecânica, módulo de deformação longitudinal, coeficiente de Poisson etc.). Além das propriedades referidas, influenciam o comportamento mecânico das paredes diversos outros fatores, tais como:


? geometria, rugosidade superficial e porosidade do componente de alvenaria;

? índice de retração, poder de aderência e poder de retenção de água da argamassa de assentamento;
? esbeltez, eventual presença de armaduras (alvenarias armadas e parcialmente armadas), número e disposição das paredes contraventantes;
? amarrações, cintamentos, disposição e tamanho dos vãos de portas e janelas;
? enfraquecimentos provocados pelo embutimento de tubulações, rigidez dos elementos de fundação, geometria do edifício etc.

2. Fissuras causadas por movimentações higrotérmicas


Os elementos e componentes de uma construção estão sujeitos a variações de temperatura, sazonais e diárias, que repercutem em variações dimensionais dos materiais de construção (dilatação ou contração); os movimentos de dilatação e contração são restringidos pelos diversos vínculos que envolvem os elementos e componentes, desenvolvendo-se nos materiais, por este motivo, tensões que poderão provocar o aparecimento de fissuras.


As movimentações térmicas de um material estão relacionadas com as suas propriedades físicas e com a intensidade da variação da temperatura; a magnitude das tensões desenvolvidas é função da intensidade da movimentação, do grau de restrição imposta pelos vínculos a esta movimentação e das propriedades elásticas do material.


As fissuras de origem térmica podem também surgir por movimentações diferenciadas entre elementos de um componente, entre componentes de um sistema e entre regiões distintas de um mesmo material (Figura 1).


No caso das movimentações térmicas diferenciadas é importante considerar não só a amplitude da movimentação como também a rapidez com que ocorre. Se a movimentação for gradual e lenta, os materiais terão maior facilidade em assimilá-la. As temperaturas de serviço dos materiais serão influenciadas pela localização geográfica da obra (latitude e longitude), zona climática etc. Em função da posição e da cor do componente, pode ser verificada a temperatura de serviço desses componentes (Tabela 1).


De acordo com Latta, a temperatura superficial da face externa de lajes e de paredes, expressa em graus Farenheit, pode ser estimada em função da temperatura do ar (tA) e do coeficiente de absorção solar (a), de acordo com seguinte formulação indicada na Tabela 2.


Quanto ao coeficiente de absorção solar, Latta sugere:


Materiais não metálicos
superfície de cor preta: a = 0,95
superfície cinza-escuro: a = 0,80
superfície cinza-claro: a = 0,65
superfície de cor branca: a = 0,45

Materiais metálicos
cobre oxidado: a = 0,80
cobre polido: a = 0,65
alumínio: a = 0,60
ferro galvanizado: a = 0,90

Quanto à umidade, deve-se inicialmente ressaltar que as mudanças higros-cópicas provocam variações dimen-sionais nos materiais porosos que integram os elementos e componentes da construção; o aumento do teor de umidade produz em geral uma expansão do material, enquanto a diminuição do teor provoca contração; caso haja vínculos que impeçam ou restrinjam essas movimentações, poderão ocorrer fis-suras nos elementos e componentes do sistema construtivo.

A umidade pode ter acesso aos materiais de construção através de:

? produção de componentes à base de ligantes hidráulicos
? umidade proveniente da execução da obra
? umidade do ar ou proveniente de fenômenos meteorológicos
? umidade do solo
? umidade decorrente da utilização do edifício.

A quantidade de água absorvida por um material de construção depende fundamentalmente de sua porosidade: um dos mecanismos importantes que regem a variação do teor de umidade dos materiais é a capilaridade; na secagem de materiais porosos, a capi-laridade provoca o aparecimento de forças de sucção, responsáveis pela condução da água até a superfície do componente, onde ela será posteriormente evaporada. Se um material poroso é exposto por tempo suficiente a condições constantes de umidade e temperatura, graças ao fenômeno da difusão, seu teor de umidade acabará estabilizando-se; atinge-se então a umidade higroscópica de equilíbrio do material. Na Tabela 3 são indicados valores da umidade higroscópica de equilíbrio para alguns materiais.

Com a absorção ou evaporação de umidade, os materiais apresentam respectivamente expansões e contrações, as chamadas movimentações reversíveis (Figura 2). Na Tabela 4 indicam-se, para alguns materiais, os valores das movimentações irreversíveis (retração de secagem por exemplo), movimentações reversíveis, coeficientes de dilatação térmica linear e módulo de deformação longitudinal.


3. Fissuras causadas pela atuação de sobrecargas


Nas alvenarias constituídas por tijolos maciços, sob ação de cargas verticais, a argamassa de assentamento, apresentando deformações transversais mais acentuadas que os tijolos, introduz nestes um estado triaxial de tensões: compressão vertical e tração nas duas direções do plano horizontal; nessas condições, a argamassa fica portanto submetida a um estado triaxial de tensões de compressão. Ultrapassada a resistência à tração dos tijolos, começam a manifestar-se fissuras verticais no corpo da parede.


No caso de alvenarias constituídas por blocos vazados, outras tensões importantes juntam-se às já citadas. Para blocos com furos retangulares dispostos horizontalmente, a argamassa de assentamento apresentará deformações axiais mais acentuadas sob as nervuras verticais do bloco, introduzindo como conseqüência solicitações de fle-xão em suas nervuras horizontais, o que poderá inclusive conduzir à ruptura do bloco.


Além da forma geométrica do componente de alvenaria, outros fatores intervêm na fissuração e na resistência final de uma parede a esforços axiais de compressão, tais como: resistência mecânica dos componentes de alvenaria e da argamassa de assentamento; módulos de deformação longitudinal e transversal dos componentes de alvenaria e da argamassa; rugosidade superficial e porosidade dos componentes de alvenaria; poder de aderência, retenção de água, elasticidade e retração da argamassa; espessura, regularidade e tipo de junta de assentamento e, finalmente, esbeltez da parede produzida.


Resumidamente, segundo diversos pesquisadores, chega-se às seguintes conclusões mais importantes sobre o comportamento das alvenarias:


a) a resistência da alvenaria é inversamente proporcional à quantidade de juntas de assentamento;

b) componentes assentados com juntas em amarração produzem alvenarias com resistência significativamente superior àquelas em que os componentes são assentados com juntas verticais aprumadas;
c) a espessura ideal da junta de assentamento situa-se em torno de l0 mm;
d) a resistência da parede não varia linearmente com a resistência do componente de alvenaria nem com a resistência da argamassa de assentamento.
0 principal fator que influi na resistência à compressão da parede é a resistência à compressão do bloco ou do tijolo; a influência da resistência da argamassa de assentamento é, ao contrário do que se poderia intuir, bastante menos significativa. Pesquisas desenvolvidas no B.R.E, tomando como referência a resistência à compressão de uma argamassa 1:3 (cimento e areia, em volume), evidenciam este fato (Figura 3).

Considerando o coeficiente de segurança gg = 5, normalmente adotado pelas diversas normas para determinação da tensão admissível da alvenaria submetida à compressão axial, a tendência internacional é estimar a resistência das alvenarias armadas e não armadas a partir da resistência à compressão de prismas, através da seguinte fórmula:

h = altura da parede,
t = espessura da parede
fm = tensão admissível à compressão
f'm = resistência média de prismas constituídos por 2 blocos (mínimo 5 ensaios), multiplicada pelo coeficiente c, função da altura (h) e da largura do bloco (d)

A introdução de uma taxa mínima de armadura na alvenaria (0,2% por exemplo) não chega a aumentar significativamente a resistência à compressão da parede; entretanto, tal armadura melhora substancialmente o comportamento da alvenaria quanto à fissuração, normalmente provocada por atuação de cargas excêntricas, ocorrência de recalques diferenciados ou concentração de tensões.

No tocante a este último fator, especial atenção deverá ser dada à presença na alvenaria de aberturas de portas e janelas, em cujos vértices ocorre acentuada concentração de tensões pela perturbação no andamento das isostáticas (Figura 4).


4. Fissuras causadas por deformabilidade excessiva de estruturas de concreto armado

Com a evolução da tecnologia do concreto armado, representada pela fabricação de aços com grande limite de elasticidade, produção de cimentos de melhor qualidade e desenvolvimento de métodos refinados de cálculo, as estruturas foram se tornando cada vez mais flexíveis, o que exige a análise mais cuidadosa das suas deformações e de suas respectivas conseqüências.
Não se têm observado, em geral, problemas graves decorrentes de deformações promovidas por solicitações de compressão (pilares), cisalhamento ou torção; a ocorrência de flechas em componentes fletidos tem causado, entretanto, repetidos e graves transtornos aos edifícios, verificando-se, em função das flechas desenvolvidas em componentes estruturais, freqüentes problemas de compressão de caixilhos, empoçamento de água em lajes de cobertura, destacamento de pisos cerâmicos e ocorrência de fissuras em paredes.

Vigas e lajes deformam-se naturalmente sob ação do peso próprio, das demais cargas permanentes e acidentais e mesmo sob efeito da retração e deformação lenta do concreto. Os componentes estruturais admitem flechas que podem não comprometer em nada sua própria estética, a estabilidade e a resistência da construção; tais flechas, entretanto, podem ser incompatíveis com a capacidade de deformação de paredes ou outros componentes que integram os edifícios.


Os códigos para projeto e execução de obras de concreto armado normalmente estipulam as flechas admissíveis de vigas e lajes em torno de:


a) "as flechas medidas a partir do plano que contém os apoios, quando atuarem todas as ações, não ultrapassarão 1/300 do vão teórico, exceto no caso de balanços para os quais não ultrapassarão 1/150 do seu comprimento teórico";

b) "o deslocamento causado pelas cargas acidentais não será superior a 1/500 do vão teórico e 1/250 do comprimento teórico dos balanços".
As alvenarias são os componentes da obra mais suscetíveis à ocorrência de fissuras pela deformação do suporte, tendo-se verificado diversos casos de fissuração mesmo com grandezas de flechas inferiores aos valores acima indicados. Deve-se frisar que o desenvolvimento das fissuras será função não só da grandeza da flecha, mas também de diversas características da alvenaria: dimensões dos blocos, tipo de junta, características do material de assentamento, dimensões e localização dos vãos inseridos na parede etc. Não existe um consenso sobre os valores admissíveis das flechas, quer para vigas ou lajes onde serão apoiadas alvenarias, quer para lajes sobre as quais serão executados pisos cerâmicos (a flexão da laje pode provocar o destacamento das placas cerâmicas).

Por sua vez, o cálculo exato das flechas que ocorrerão nos componentes estrut

urais é tarefa praticamente impossível de ser realizada devido aos inúmeros fatores intervenientes, tais como a posição exata da linha neutra após a fissuração do concreto e a variação do módulo de deformação do concreto com o passar do tempo. Na previsão da flecha de um componente fletido, é essencial contudo considerar as parcelas das flechas instantâneas (antes e após fissuração) e flechas provenientes da deformação lenta do concreto (Figura 5).

5. Fissuras causadas por recalques das fundações

Até passado recente, as fundações dos edifícios eram dimensionadas pelo critério de ruptura do solo, apresentando as construções cargas que geralmente não excediam a 500 Tf; ao mesmo tempo que as estruturas iam ganhando esbeltez, conforme enfocado no item anterior, os edifícios ganhavam maior altura, chegando em nossos dias a obras cuja carga total sobre o solo já chegou a atingir 20.000 Tf. Dentro desse quadro, é imprescindível uma mudança de atitude para o cálculo e dimensionamento das fundações dos edifícios; particularmente no caso das argilas de alta plasticidade, os recalques podem ser muito acentuados, passando em geral a ser condicionante o critério de recalques admissíveis.


A capacidade de carga e a defor-ma-bilidade dos solos não são constantes, sendo função dos seguintes fatores mais importantes:


? tipo e estado do solo (areia nos vários estados de compacidade ou argilas nos vários estados de consistência);

? disposição do lençol freático;
? intensidade da carga, tipo de fundação (direta ou profunda) e cota de apoio da fundação;
? dimensões, rigidez e formato da placa carregada (placas quadradas, retangulares, circulares);
? interferência de fundações vizinhas;
? interferência de obras vizinhas (estradas, metroviário etc.).

Os solos são constituídos basicamente por partículas sólidas, entremeadas por água, ar e não raras vezes material orgânico; sob efeito de cargas externas, todos os solos, em maior ou menor proporção, se deformam. No caso em que estas deformações sejam diferenciadas ao longo do plano das fundações de uma obra, tensões de grande intensidade serão introduzidas na estrutura, podendo gerar o aparecimento de fissuras.

Se o solo for uma argila dura ou uma areia compacta, os recalques decorrem essencialmente de deformações por mudança de forma, função da carga atuante e do módulo de deformação do solo; no caso de solos fofos e moles, os recalques provêm basicamente da sua redução de volume, pois a água presente no bulbo de tensões das fundações tenderá a percolar para regiões sujeitas a pressões menores.


Denomina-se "consolidação" ao fenômeno de mudança de volume do solo por percolação da água presente entre seus poros. Para os solos altamente permeáveis, como as areias, a consolidação e, portanto, os recalques acontecem em períodos de tempo relativamente curtos, após serem solicitados; para solos menos permeáveis, como as argilas, a consolidação é lenta, ao longo de vários anos.


Para as fundações diretas, a intensidade dos recalques dependerá não só do tipo de solo, mas também das dimensões do componente da fundação (Figura 6).


Para fundações diretas, a presença de vegetação nas proximidades da obra (retirada ou deposição de água no solo) também poderá exercer importante influência sobre os recalques.


6. Fissuras causadas por retração de produtos à base de cimento

A hidratação do cimento consiste na transformação de compostos anidros mais solúveis em compostos hidratados menos solúveis, ocorrendo na hidratação a formação de uma camada de gel em torno dos grãos dos compostos anidros. Para que ocorra a reação química completa (estequeométrica) entre a água e os compostos anidros, é necessário cerca de 22% a 32% de água, em relação à massa do cimento; uma quantidade adicional em torno de 15% a 25% é necessária para a constituição do gel. Em média, uma relação água/cimento (a/c) de aproximadamente 0,40 é suficiente para que o cimento se hidrate completamente.


Em função da trabalhabilidade


necessária, os concretos e argamassas normalmente são preparados com água em excesso, o que vem a acentuar a retração de secagem; a retração plástica (aden-sa-mento das juntas de argamassa de uma alvenaria recém-construída) tam-bém pode provocar a ocorrência de fissuras e destacamentos nas paredes.


Inúmeros fatores intervêm na retração de um produto à base de cimento, sendo os principais: tipo e composição química do cimento, natureza e granulometria dos agregados, condições de cura etc. Dos fatores interve-nien-tes, a relação a/c é sem dúvida o que mais influencia a retração de um produto constituído por cimento, sobrepujando inclusive a própria importância do consumo de cimento (Figura 7).


Os danos às paredes podem ocorrer por retração da argamassa de assentamento, da alvenaria como um todo ou da retração de componentes da estrutura, conforme figuras seguintes.


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